A Eliete que trai o marido para fugir à invisibilidade e sentir-se mais do que o nada que se sente.
Eu que procuro a visibilidade nos olhos dos outros.
A Eliete dos banais olhos castanhos.
E eu, com banais olhos castanhos.
A Eliete que nunca chegou a ser suficiente para os bons empregos da CEE.
E eu que, embora sendo talvez suficiente para os bons empregos da CEE nunca consegui sentir que eles fossem suficientes para justificar uma existência.
A Eliete e eu em busca da magia.
A Eliete e eu em luta com um corpo que imaginamos sem valor, apenas porque é o nosso e não o de outra pessoa qualquer.
Eu que me sinto tão só como a Eliete, mas que de tanto ser só já não sei se saberia ou quereria ser outra coisa.
A Eliete e eu, de realidades tão distintas, mas tão próximas.
A Eliete escapista à procura de uma ilusão de auto-estima induzida pelo desejo básico dos homens
Depois de ter passado uma vida inteira a sentir-se indesejada, indesejável, invisível.
E eu, que tantas vezes imaginei como seria sentir-se vista pelos olhos de um homem
Mas que, se em algum momento me senti observada, tentei a todo o custo deixar de o ser.
A Eliete e eu.
A Eliete que embora sendo protagonista de um livro se sente permanentemente personagem secundária da história da sua vida.
E eu, que talvez também me sinta assim, apesar de não ser protagonista de livro nenhum.
A Eliete que só tem um nome e não sabe bem qual é a sua personalidade.
E eu, que associo os meus dois nomes a duas personalidades diametralmente opostas, que desde sempre se digladiam por esse espaço exíguo que é uma existência.
A Eliete com a avó demente e a mãe amargurada que já desistiu de tentar salvar.
E eu ainda a tentar salvar a mãe da amargura
E a pedir a um deus em quem não acredito que a minha avó nunca fique demente, mas que também não morra.
A Eliete, saída das ideias de uma espécie de génio literário e projectada para o mundo, sem o saber.
E eu, apenas presa nas minhas ideias e a sabê-lo demasiado bem, sem saber no entanto como escapar delas ou deixá-las escapar para poder ser livre.