Saturday 11 February 2023

uma semana.

SÁBADO
e, por vezes, algo de novo e desconcertante acontece.
um dia estás tranquilamente a ler um livro no parque defronte do rio e trocas duas palavras circunstanciais com o desconhecido sentado ao teu lado.
um dia essa troca embaraçada de palavras leva a uma troca de contactos, que levam a mais trocas de palavras, dessa feita escritas, e a uma descoberta mais ampla desse novo ser por via da maravilha tecnológica que nos revela imagens e corpos e em parte também as almas das pessoas.

DOMINGO
e no dia seguinte, contra qualquer possível expectativa, estás a sair com essa pessoa - numa organização tripartida do tempo - e descobres que talvez não fosse só charme quando declarou "que alma és" no dia anterior. 
e descobres que há conversas fáceis, conversas que fluem, conversas em que rapidamente o embaraço dá lugar a uma tranquilidade iluminada de sorrisos.
um dia descobres o prazer e a liberdade que há em improvisar uma primeira saída com duas saquetas de chá levadas no bolso do casaco e duas chávenas de água quente pedidas numa cadeia de fast food espanhola num domingo à noite.

SEGUNDA
e no outro dia descobres a vontade de repetir essa descoberta, a procura de uma espécie de arrebatamento da alma que, de tão rara, se torna quase viciante uma vez encontrada. e novamente a imperfeição e o improviso, após falhar o plano inicialmente combinado e seres direccionada para um local que se encontava, afinal, encerrado, dão lugar a uma espécie de alternativa liberatória que anula qualquer réstia de expectativa inicial defraudada. e mais uma vez, o relógio é o principal inimigo de um encontro entre duas pessoas que se descobrem a partilhar ideias quase como quem respira, numa troca equilibrada entre o superficial e o profundo, entre o passado e o futuro, entre um e o outro interlocutores.

TERÇA
e ao quarto dia surpreendes-te, não obstante o quase encantamento dos dias anteriores, que a outra pessoa queira novamente repetir, que talvez também sinta, como tu crês sentir, algo de peculiar e diferente. e assim aplicas as tuas competências de gestão de tempo e de gestão de sono, após um dia de trabalho e duas horas de formação, apesar do caos confuso em que se encontra a tua casa (e, acto contínuo, embora não só, a tua mente), e decides repetir. mais um plano inicial não concretizado quando descobres que o café do teatro que tinhas sugerido como destino se encontra fechado, e mais uma vez algum embaraço, embora cada vez menor e sempre suplantado pelo riso, seguido da procura de outras opções que te leva a um pub de estilo inglês histórico na zona de Alvalade onde, curiosamente, nunca tinhas entrado ao longo dos oito anos a morar no bairro. e ao quarto dia repetem-se as conversas, num ambiente mais silencioso e acolhedor com uma banda sonora agradável que serve também de base para um jogo, além das perguntas de Trivial que a pessoa trouxe, como havia dito que faria. ao quarto dia,os bancos de estofo vermelho gasto pelos anos facilitam a aproximação dos corpos e a antecipação do beijo traz-te à memória recordações longínquas e doces da adolescência insegura e inocente, e a concretização desse beijo antecipado transporta-te de volta a esse tempo e confirma a tua ideia secreta de que o beijo daqueles lábios seria aveludado e bom. e após o beijo caminham semi-abraçados pela Avenida de Roma deserta às 2 da manhã e apercebes-te da falta que te fez poder experimentar o contacto físico na caminhada durante os últimos meses.

QUARTA
ao quinto dia não há encontro porque o cinema tem precedência (e porque investes na escolha consciente de manter as outras ligações).

QUINTA
ao sexto dia sou eu que lanço o desafio para um novo encontro, em lugar seguro e de conforto para mim. no quiz do costume, com as pessoas do costume, registo com espanto a forma como se integra no grupo enquanto participa no jogo com descontração e interesse. é impossível deicar de perceber o toque subtil, surpreendente tendo em conta as circunstâncias e o facto de nos conhecermos há exactamente seis dias. os dedos que se entrelaçam, a mão dele de toca levemente na minha perna e depois, devagar, ali fica pousada. sai apenas uma vez para ir fumar (a primeira vez que o vejo fumar desde aquela tarde de sábado em que o universo nos colocou no mesmo jardim à mesma hora). ao sairmos do quiz lança-me o seu característico "olá", em tom de brincadeira, e de novo o beijo e o braço por cima do ombro. queria caminhar comigo até casa mas tinha a mota estacionada por ali e por isso combinámos encontrar-nos à porta de minha casa que nesse dia estava, casua e felizmente, sem hóspede. apesar do estado semi-caótico, convidei-o a subir, cedendo à vontade de prolongar aquele contacto por mais algum tempo. vimos a cidade do terraço e do topo do prédio, mas o frio impeliu-nos a resguardar-nos em casa, olhando a cidade pelas janelas grandes por onde entrava a luz difusa que se juntava às luzes baixas acesas no interior. à conversa boa e fluída seguiram-se os beijos e aos beijos as carícias que abrem geralmente o caminho para mais. apesar da vontade de explorar e aprofundar aquela cumplicidade boa e leve, os condicionamentos bio-fisico-psicológicos não me permitiam avançar e por alguma razão estranha acabei por partilhar essa ideia. ainda assim, continuou-se, em mood meio adolescente (sem tirar roupa) e a intensidade da interacção foi crescendo até ambos termos concluído, seguida de mais conversa que terminou, finalmente, pelas 4h da manhã, quando já não era possível continuar a adiar o fim daquele encontro nocturno.

envelhecer

o tempo vai passando por nós e não sabemos exactamente o que fazer dele. envelhecemos. pensamos que ficamos mais sábios, mas estamos apenas ...