Wednesday 13 September 2023

restam-nos as palavras.

a vida enrola-se-nos como as ondas do mar que rebentam na areia.

há dias que começam com uma ordem quase perfeita e acabam em caos profundo. ontem foi um desses.

acordei de madrugada, antes das quatro da manhã pelo segundo dia consecutivo, sem entender bem porquê mas também sem grandes sinais de cansaço, pelo que fiquei deitada a explorar as maravilhosas possibilidades do Linkedin e da internet em geral.

Enviei candidaturas, consegui reservar aula no ginásio, fiz alguns contactos que obtiveram resposta, escrevi antes das sete da manhã no whatsapp ao meu chefe e consegui uma aprovação que estava pendente. Pelas oito da manhã daquela terça-feira solarenga de setembro a minha vida estava orientada e tudo parecia correr bem.

Passei no supermercado a caminho do comboio e comprei um pudim proteico de chocolate que seria o meu pequeno almoço - acabou por ser, na verdade, a única refeição que fiz durante todo o dia, além de uma banana.

Transportes sem atrasos, cheguei ao gabinete a horas, usufruindo da sensação de bem-estar que me proporciona a execução das tarefas quotidianas conforme as imagino primeiro na minha cabeça.

perdi a hora de almoço na consulta de triagem na clínica universitária (toda uma experiência) e com isso acabei por me esquecer de almoçar, entre reuniões e atendimentos não programados, além da montanha de burocracia que não pára de acumular.

de repente, uma mensagem inesperada no instagram foi o gatilho para uma série de informações novas, semi-antigas e desconhecidas, e para uma conversa que deveria ter acontecido com a mesma franqueza num outro tempo, quando as escolhas ainda eram possíveis.

ou a escolha do meu lado, em todo o caso. a outra pessoa fez a sua escolha e continua a ter a sua margem, ainda que se encontre agora à mercê das razões e das escolhas de uma nova pessoa.

novelos relacionais e de ideias demasiado emaranhados (quem sabe se impossíveis de deslindar), que pensávamos estarem já devidamente arrumados e perdidos no fundo de uma arca escura, mas afinal ressurgem e percebemos que ainda têm algum potencial destruidor.

a minha onda de produtividade do dia foi assim interrompida por essa conversa que jamais teria imaginado que pudesse acontecer, passado que estava o tempo e depois de me ter sido comunicado com toda a clareza "tenho uma namorada". nesse dia creio que terei chorado um pouco, cheguei à conclusão de que 100% dos meus ex-namorados têm as suas vidas orientadas e estão em novas e sólidas relações (não sei se felizes ou apenas banais), enquanto eu continuo a navegar à deriva e com a bússola cada vez mais destruída. também nesse dia, foi como se tivesse morrido algo em mim (talvez a esperança?) e apaguei conversas, silenciei stories, fiz o que se faz nestes tempos modernos para tentar eliminar alguém que só existe na nossa vida de maneira virtual, mas sem cortar todas as pontas.

aparentemente, ele foi mais radical e apagou o meu número, razão pela qual a conversa desta vez foi iniciada pelo Instagram. embora tenha contribuído para apaziguar um pouco em mim a dúvida inelutável e persistente sobre a minha insignificância na vida desta pessoa, deixou-me também na boca o sabor agridoce de saber que, ainda que eu possa ser importante, no momento da escolha não sou nunca eu a pessoa que merece ser escolhida. 

saber isso causa em nós uma ferida maior do que talvez pudéssemos imaginar à partida, e receio que no meu caso estas ferias consecutivas se vão sobrepondo umas às outras, criando uma ilusão de cicatrização que não é real, e que por baixo da pele aparentemente mais resistente esteja um buraco cada vez mais e uma infecção latente, à espera do momento certo para se espalhar por todo o lado.

nunca serei eu a escolhida mas, aparentemente, vou permanecendo de alguma forma na memória destas pessoas, enquanto vão construindo as suas seguras vidas convencionais e (aparentemente) felizes como se eu não tivesse existido neste mundo no mesmo tempo e espaço do que elas e os nossos caminhos não se tivessem alguma vez cruzado.

sigo também eu o meu caminho, entre o trabalho inútil e as minhas actividades quotidianas (coro e ginásio) que ajudam a salvar-me ao preencherem parte do vazio existencial causado pelas dúvidas que estas pessoas deixam em mim sobre a minha validade enquanto pessoa e sobre o sentido de tudo em geral, e o da minha vida em particular.

e no dia seguinte, lidas as mensagens que trazem as novidades e apagadas em seguida (não sei antes serem cristalizadas em screenshots para referência futura), chora-se mais um pouco, prepara-se o discurso irónico-cómico sobre a enésima situação absurda que me tocou, e a vida continua.

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